Por
Reinaldo Canto
A
velha máxima de Lavousier: nada se cria tudo se
transforma ainda não foi devidamente absorvida
no Século XXI. As empresas em sua maioria ainda
acreditam que descartar é algo normal, coisa que
se faz desde o início do capitalismo no já
distante final do Século XIX. Nada mais longe da
verdade. Afinal, o mundo é redondo e tudo que se
usa aqui no planeta irá permanecer para o bem ou
para o mal. Isso significa que ao descartar algo mesmo
que de maneira correta quase sempre não terá
bons resultados. No mínimo são materiais
que vão ser despejados em aterros sanitários
quase todos atingindo o limite de sua capacidade para
receber diariamente toneladas de resíduos que poderiam
ter outros fins, outras utilidades.
Pensando
nisso, a administradora de empresas formada pela Fundação
Getúlio Vargas e consultora de estratégia
e comunicação para sustentabilidade, Jamile
Balaguer Cruz, criou a Biocicla, empresa de Economia Circular
que gerencia a transformação de uniformes
usados em peças novas como bolsas, estojos, sacos
de dormir, entre outros, chamados de upcycling (termo
em inglês que define a transformação
de materiais usados para outras finalidades).
Envolverde
Por que você teve a ideia de criar a Biocicla?
Jamile
Balaguer A geração de lixo no
planeta sempre me incomodou. Existem muitos materiais
que são descartados sem que se dêem a eles
a oportunidade de terem novos usos. Muitas vezes são
coisas que podem ter perdido a sua função
original, mas que se forem trabalhadas de maneira correta,
poderão ser úteis novamente, sem que precisem
ir parar num aterro sanitário ou mesmo num lixão
e ficar se deteriorando. Ninguém se beneficia com
isso e, na verdade, podemos perder muito com essas ações
de descarte, pois existem materiais que ao serem descartados
podem contaminar o solo, os mares, lençóis
freáticos e afetar a saúde de pessoas e
animais que tiverem contato direto com elas.
Por
essas, entre outras razões, criei a Biocicla que
tem a função de transformar itens descartados
contribuindo para fazer a chamada logística reversa,
que cuida para materiais voltarem para a cadeia produtiva.
E
Como você define a Biocicla?
JB
Somos uma empresa da Economia Circular que
busca tratar os resíduos sólidos atendendo
o que é determinado pela PNRS (Política
Nacional de Resíduos Sólidos, Lei 12.305/2010).
Emitimos todos os documentos que as empresas devem deter
para comprovar o tratamento dos seus resíduos.
Procuramos
fazer um trabalho forte de educação ambiental
para conscientizar empresas sobre a necessidade de se
fazer o tratamento adequado de seus resíduos evitando
ao máximo o descarte de materiais, que se não
puder servir para o seu próprio negócio,
possam ser úteis para outras empresas.

E
Como surgiu a ideia da transformação
de uniformes usados?
JB
Eu
cresci brincando embaixo de maquinas de costura pois meu
avô tinha uma fábrica de guarda chuvas, e
desde criança eu e minha prima inventamos brinquedos
e acessórios com os retalhos do tecido de nylon
recortados. Aprendi as primeiras peças upcycling
nas oficinas de costura do Rotary, até que chegou
o momento na minha vida profissional de consultora e iniciei
o Projeto REFORME de Gestão de Resíduos
Sólidos para a empresa GOCIL tratando dos seus
uniformes descartados mensalmente. Desenvolvo este trabalho
há 2 anos em parceria com a consultoria Biotera.
E
E quais os benefícios desse trabalho?
JB
Contribuímos
diretamente com 6 ODS Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável do Pacto Global da ONU. São
benefícios sistêmicos, pois oferecemos uma
solução socioambiental integrada. No tratamento
dos resíduos contribuímos com o desenvolvimento
local gerando renda para costureiras de baixa renda e
jovens com deficiência intelectual que trabalham
na confecção das novas peças. Desenvolvemos
também ações sociais, de educação
e arte no aproveitamento das peças. Para isto,
temos parceria com organizações sociais
e de saúde como a CLASA e o NUPE em Santo André.
E
Que tipo de empresas vocês conseguem atender?
JB
Podemos
atender empresas que trabalhem com banners e uniformes
descartados, mas também é possível
analisar outros tipos de materiais. Basicamente eles precisam
ser suficientemente maleáveis como estofados, por
exemplo, para possibilitar a transformação
em peças que produzimos envolvendo máquinas
de costura. Várias empresas já desenvolvem
este trabalho como a Volkswagen, TAM, Scania, FedEx e
outras.
E
Mas nem todo o tipo de material recebe o mesmo
tratamento?
JB
Isso mesmo! Na verdade temos três situações
distintas. Na primeira são essas peças upcycling
produzidas pelas costureiras como ecobags e brindes ecológicos
distribuídos para clientes, empregados e parceiros.
A segunda opção é fazer a reforma
das peças para doação para a população
carente ou revenda como uniformes de segunda mão.
E a terceira opção é reciclar as
peças com a trituração e aproveitamento
em outros processos. O publico tem valorizado cada vez
mais esta consciência e práticas das empresas.
E
Quanto de material vocês já conseguiram
reciclar e em números quais os benefícios
já alcançados?
JB
Desde o início do nosso trabalho, demos tratamento
a 39 toneladas de uniformes descartados evitando a emissão
de 737 Kg de CO2 que eram gerados com a incineração
das roupas. Foram produzidas 5.480 peças upcycling
distribuídas como brindes ecológicos, 20
toneladas de roupas doadas para população
carente, 750 peças reformadas e revendidas, 100
casaconecas (jaquetas saco de dormir) doadas para população
em situação de rua, realizadas oficinas
de artes com 125 jovens vulneráveis e o restante
das peças foram recicladas com trituração
para transformação em estopa.
E
Por fim, com toda essa sua experiência como
está o nível de consciência das empresas
quanto os impactos causados por suas atividades?
JB
Existem vários níveis de consciência
e de não consciência no meio empresarial.
Na Biocicla já fomos procurados por empresas que
tem bastante consciência do que o descarte de uniformes
pode causar e, portanto, nos consultam sobre a melhor
maneira de fazê-lo. Existem aquelas que buscam soluções
de Economia Circular e/ou são empresas signatárias
do Pacto Global da ONU buscando gerenciar seus impactos
e indicadores de resultados socioambientais. Mas também
aparecem aquelas que querem apenas se livrar desses materiais
pouco importando qual a destinação que irão
receber com tanto que eles não sejam penalizados.
De
fato, o certo é que a cada dia clientes, consumidores
e parceiros estão sabendo identificar as melhores
empresas para se relacionar. O futuro de muitos negócios
irá depender dessa tomada de consciência
para sua própria sobrevivência.
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